As coisas da Irene
 
Lixos, desta pós-modernidade de ilusões consumistas, encontram nova vida pelas suas mãos. Podem dar lugar a objectos puramente decorativos, nuns casos. Assumem representações com uma candura poética que contraria a dureza da vida, noutros. Ou ilustram com metáforas visuais o terror institucionalizado, também ele produto de consumo corrente. Tudo em aparente pé de igualdade.
 
São as “coisas da Irene”. Poesia. Sonho. Emoções plenas de vida, que tanta falta nos fazem. E que ela compõe metodicamente reinventando significados e moldando novos sentidos a pequenas coisas. Feitas em barro, em madeira ou nos mais diversos materiais, como os cubos de plástico, embalagens comerciais que ajudaram uma multinacional a vender telemóveis durante uns tempos e que encontraram uma nova vida e liberdade para outros horizontes, pelas mãos dela. Porque os olhou de uma outra forma. Não me perguntem porquê, não sei explicar, mas sempre senti que os seus trabalhos procuram não ter nada a ver com o “estatuto de cima para baixo” que a Arte, no seu espaço de afirmação cultural perene, e no seu impulso de influência social reconhecida, dificilmente evita. Estou convencido de que é possível encontrar uma atitude em tudo o que faz que explica, de alguma forma, essa recusa.
 
As “coisas da Irene” são sempre uma espécie de sorriso muito próprio. Muito dela. Que ora se ilumina, apenas pela simpatia natural de quem gosta serenamente dos outros, ora partilha, com cumplicidade, um irónico olhar para um mundo infestado de desumanidades. Em tudo, a mesma franqueza das coisas simples e autênticas. Porém, se por um lado sinto esse propósito, que me parece evidente, de quem não quer que as suas coisas se imponham aos nossos olhos como “arte a sério”, por outro lado tenho que lhe dizer que acabou por falhar esse objectivo. Aquilo a que ela sempre quis atribuir um valor efémero, precário... obriga-nos a olhar de novo, e vemos mais. Porque sempre lá esteve. Reencontramo-nos na Arte das suas coisas, não conseguimos evitá-lo. E ganhamos todos com isso. Pedimos desculpa por a contrariarmos um pouco...
e agradecemos retribuindo-lhe o sorriso. Obrigado, Irene.
 
(Do catálogo da exposição “ETC.” patente ao público na Galeria da Santa Casa da Misericórdia de Viana do Castelo)
 

 

Carlos da Torre
Julho/2015